quinta-feira, 15 de agosto de 2013

LEED: Gato por lebre?

Vinte anos depois e centenas de edifícios certificados nos EUA e no mundo, o selo LEED, do USGBC, está começando a ser acusado de green whalsh. 
E pelos seus próprios conterrâneos.


Cronologia

Pode-se dizer que o estopim foi em 2008, quando o reconhecido projetista mecânico americano Henry Gifford, escreveu um artigo polêmico entitulado A better way to rate green buildings (1), em seu site pessoal. Nesse artigo, Gifford alega que os edifícios certificados pelo LEED usam, na verdade 29% mais energia que edifícios convencionais, contra os 30% de eficiência alegados pelo United States Green Building Council (USGBC).

Em 2009, a colunista do New York Times, Mireya Navarro, publicou um artigo (2) onde começa fazendo uma crítica ao edifício Federak Building na cidade de Ohio: o edifício possui certificado LEED mas não se qualificou no selo Energy Star, criado em 1992 pela Agência de Proteção Ambiental americana (Environmental Protection Agency - EPA), que classifica prédios pela sua eficiência energética, analisando suas contas de utilidades (luz, gás, água, etc) por um ano.

Basicamente vem sendo verificado que, por não haver um acompanhamento do desempenho dos edifícios que o USGBC certifica, é impossível saber se seu certificado atesta a realidadeAlguns especialistas alegam que o selo somente poderia ser concedido até que o edifício prove sua eficiência energética e que esses dados coletados deveriam tornar-se públicos.

Então, como resposta, em 2009, a cidade de NY, estabeleceu uma inovadora lei que exige a divulgação dos resultados reais da eficiência energética de grandes edifícios ou propriedades não residenciais, através de um programa chamado Greener, Greater Buildings Plan (GGBP), onde se divulga um Índice de Utilização de Energia (Energy Utilization Index - EUI) e a classificação Energy Star dessas construções. Acontece que, após o GGBP, chegou-se a dados ainda mais baixos desses edifícios certificados.

Mas a discussão tomou real impulso quando, em 2010, Gifford resolveu entrar com uma ação milionária contra o USGBC alegando, basicamente, fraude e falsa propaganda, bem como concorrência desleal de mercado. Ele perdeu a ação, depois de muitas instâncias, mas conseguiu, definitivamente, chamar a atenção para o tema.

Novo x antigo

Pra apimentar a discussão, Mireya Navarro, em outro artigo de 2012 (5), chamou a atenção com a comparação da eficiência de edifícios certificados LEED com edifícios antigos de NY. Navarro assinalou que o novo edifício 7 World Trade Center (7 WTC) - com selo Leed Ouro - obteve uma qualificação Energy Star de apenas 74, um ponto abaixo do mínimo de 75 estipulado por esta agência para edifícios de alta eficiência. E, por outro lado, dois velhos conhecidos de NY, o Chrysler Building (1930) e o Empire State Building (1931), se saíram com 84 e 80 (respectivamente) após uma atualização dos seus sistemas mecânicos.

7 WTC. Foto: Silverstein Properties.

Num estudo do próprio USGBC de 2008, dos 121 novos edifícios certificados desde 2006, mais da metade (53%) não se qualificou para o selo Energy Star e 15% pontuou abaixo de 30 no programa, o que significa que eles usavam mais energia por metro quadrado que, pelo menos 70% dos edifícios comparáveis no estoque nacional estadudinense da época.

É claro que os prédios antigos podem ter uma qualificação Energy Star melhor devido ao seu invólucro: paredes grossas, menos janelas e menos ventilação natural. E, também, ser velho não significa automaticamente ser mais eficiente. Por exemplo, outros edifícios como o MetLife/PanAm (Gropius & Belluschi, 1963) e o Lever House (Skidmore, Owings & Merril, 1952) receberam pontuação 39 e 20, respectivamente. O pior de todos foi o Seagram (Mies Van der Rohe, 1958), com míseros 3 pontos.



MetLife/PanAm, Lever House e Edifício Seagram.
Fonte: Wikipedia


Mas a questão é que a diferença entre a eficiência energética de um edifício da década de 30 com um atual deveria ser gritante (o atual sendo melhor, claro), assim como são as preocupações ambientais e a evolução tecnológica nesse campo. E isso chama a atenção para o fato de que a tecnologia não é um fator isolado para uma arquitetura energeticamente eficiente ou sustentável. A arquitetura mais eficiente está ligada aos bons e velhos conceitos de... arquitetura (!): orientação solar, adequação ao contexto local, conforto... que, com a ajuda da tecnologia, podem trazer excelentes resultados. Mas, mesmo assim, o que se vê nesse sentido é uma repetição de erros: continua-se construindo da mesma forma, mas anexando sistemas "verdes".

Caixa de vidro da década de 60 e caixa de vidro de hoje (como o 7WTC, p.ex.). Qual a diferença?
Fonte: Adaptação da imagem de Nikos A. Salingaros

Toda essa polêmica levou o USGBC a mudar alguns procedimentos. Em 2010, passou a coletar informações dos edifícios que certifica, obrigando os novos edifícios em fase de certificação a fornecer suas contas por um período de 5 anos. As informações coletadas são públicas, porém anônimas. Scot Horst, executivo LEED, diz ainda que o LEED pode mudar para o padrão da EPA/Energy Star, que somente atesta a eficiência energética do edifício no ano em que seu selo foi concedido, como acontece com classificação de restaurantes.


Mas é eficiência energética, não sustentabilidade

Cabe notar que aqui estamos apenas falando de eficiência energética, que é a grande preocupação do selo americano e da EPA e um dado mais concreto e mais fácil de ser levantado. Apesar do LEED se chamar Leadership in Energy and Environmental Design (e não somente "Energy"), possui um peso declaradamente maior nos seus critérios de eficiência energética que nos demais. O Energy Star não leva em consideração impactos ambientais, econômicos ou sociais que o LEED - teoricamente - leva. Mas, considerando o fato de que é exatamente a eficiência energética que o LEED mais "vende" e mais enfatiza nos seus pontos, então surge a preocupação de estar "comprando gato por lebre".

Quase a mesma coisa

Desta forma, não estamos falando aqui da aferição da sustentabilidade (pois somente a eficiência energética está sendo analisada) e sim de uma suposta propaganda enganosa que atinge os empresários/clientes desses edifícios certificados. É claro que, quando eles buscaram a certificação, esperavam um retorno ao seu investimento: contas mais baratas para o usuário, para justificar seus gastos iniciais maiores, bem como a promoção de uma imagem sustentável para a sua empresa. E, por isso, a ação de US$100 milhões de Gifford.


Nenhum edifício é uma ilha

Segundo Navarro (5), Scot Horst diz ainda que a baixa pontuação dos edifícios LEED pode ser também atribuída aos donos e usuários dos edifícios, que podem não estar usando corretamente os sistemas disponíveis. Um caso recente e notável dessa relação usuário x edifício eficiente é o famoso prédio da Swiss Re (ou, como é mais conhecido, "The Gherkin" ou "O Pepino") londrino, de Norman Foster (2003), certificado Leed Silver. Nesse prédio, o sistema de ventilação natural do edifício ficou comprometido pela segurança: os usuários se viram obrigados a construir subdivisores de vidro internos porque uma das janelas triangulares, originalmente feitas para proporcionar ventilação natural, caiu do edifício e todas tiveram que ser fechadas.

Edifício Swiss Re (Foster & Partners), 2003. Foto: Plataforma Arquitectura.

Durante meu trabalho de mestrado, me deparei com muitos relatos de profissionais que trabalham com certificação de edifícios sobre essa relação usuário x edifício eficiente no Brasil: em uma escola pública, torneiras economizadoras eram roubadas; em outro projeto, não funcionavam porque seu sistema era fotosensível e elas ficavam muito perto da janela, expostas à luz solar; em outros, janelas que eram para ser deixadas abertas, para melhorar a ventilação natural, eram fechadas, por causa dos mosquitos; em outro, bicicletários instalados onde não havia a menor ligação com qualquer ciclovia; complexo sistema de irrigação onde o índice pluviométrico é excelente; dentre tantos outros.

Acontece que nenhum edifício é uma ilha. Não está isolado do seu exterior (entorno, cidade) e tão pouco do seu interior (usuários) e deve ter uma boa relação com ambos. Não é possível simplesmente anexar sistemas e equipamentos e acumular pontos por isso se estes não vão funcionar no contexto local, por melhor que seja sua eficiência.

E isso porque aqui - mais uma vez - estamos falando somente de eficiência energética e não do impacto social e ambiental do edifício com seu entorno, que são dados mais abstratos e difíceis de serem analisados; mas que, a meu ver, facilmente identificados quando o resultado é positivo. Quando um edifício traz benefícios ao seu entorno, aos seus usuários/funcionários, à suas famílias, à sua cidade... O edifício cumpre sua função e isso é fácil de identificar: as pessoas comentam, divulgam, passam a idéia adiante, seguem o exemplo em suas casas e criam uma relação com o edifício, cuidam dele. E isso reflete na imagem da empresa atrelada, claro. Afinal, qual melhor índice que a apropriação do espaço pelo usuário?

Talvez fosse isso que a EPA e o Energy Star devessem analisar, algo como: "Índice de Satisfação e Conforto do Usuário e Vizinhos Diretos (ISUVD)", que poderia ser verificado facilmente através de uma Análise Pós-Ocupação "técnica", que poderia ser relacionada com medições ambientais, contas de luz, gás, água, etc. (e não isoladamente). No entanto, a dúvida é: e se fosse assim? Será que os resultados do LEED seriam diferentes?


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  1. Energy Saving Science, por Henry Gifford (2008), A better way to build green buildings
  2. New York Times, por Mireya Navarro (30-ago-2009): Some Buildings Not Living Up to Green Label
  3. Tree Hugger, por Lloyd Alter (14-out-2010): $100 Million Class Action Filed Against LEED and USGBC
  4. Environmental Building News (ago-2010), USGBC expands data collection from LEED Buildings
  5. New York Times, por Mireya Navarro (24-dec-2012): City´s Law Tracking Energy Use Yields Some Surprises
  6. Metropolis, por Michael Mehaffy e Nikos A. Salingaros (04-abr-2013): Toward Resilient Architectures 2: Why Green Often Isn't
  7. Plataforma Arquitectura, por José Tomás Franco, uma tradução para o español do artigo acima (08-jul-2013): Por qué la Arquitectura Verde pocas veces merece su nombre

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