sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Cadê meu marshmalow?

Você já ouviu falar em taxa de desconto intertemporal?

A taxa de desconto intertemporal — na verdade, “intergeracional” — é
 um conceito-chave no campo da sustentabilidade, em que discutim
os efeitos e as consequências sobre as gerações futuras de decisões tomadas por nós no presente. Para quem não conhece, o conceito de sustentabilidade do Relatório Brundtland - importante documento para esse tema - diz que ser sustentável é "suprir as necessidades da geração presente sem afetar a possibilidade das gerações futuras de suprir as suas".

Uma matéria da revista Pagina 22 (1) levanta a discussão sobre esse tema no âmbito individual - que é onde tudo começa e onde são inúmeras as “sereias” cujos cantos nos seduzem e nos levam a tomar decisões 
no presente que comprometem nosso 
“eu futuro”. Para ilustrar, relatou um experimento conduzido na Universidade 
de Stanford que, no início dos anos 1970, ofereceu a crianças uma dura escolha: elas poderiam deliciar-se com um marshmallow estrategicamente posicionado à sua frente, ou ganhar um segundo marshmallow se esperassem até que o pesquisador regressasse à sala, cerca de 15 minutos depois. 

“Futuro”, para uma criança, é um conceito ainda mais abstrato que para nós, adultos, cujos anos adicionais de vida nos deram maior previsibilidade e melhor noção de causa/efeito (“se eu poupar agora, terei mais depois”). Em “economês”, pode-se dizer que a “taxa de desconto intertemporal” das crianças é muito mais alta, ou seja, elas valorizam muito mais o presente que o futuro. 
O estudo acima visava conhecer mais sobre como o mecanismo de autocontrole ou “gratificação adiada” se desenvolve
 nas crianças.
Muitos anos depois, um
 dos pesquisadores originais, Walter Mischel, que manteve contato com as então crianças estudadas, percebeu que o sucesso que elas tiveram posteriormente poderia estar relacionado à sua capacidade de autocontrole: estudos conduzidos nas décadas de 1980 e 1990 mostraram que aquelas que conseguiram esperar e receber o segundo marshmallow anos antes tiveram melhor desempenho acadêmico e maior nota no SAT (o Enem americano). Estudos mais recentes associaram cada minuto adicional de espera com uma redução proporcional de seu índice de massa corporal (IMC) trinta anos depois.
A nossa geração

Quando li isso, pensei logo em qual seria a tal taxa de desconto “intergeracional" da nossa geração e nos "fenômenos" de comportamento que tenho observado a curto e a longo alcance. Vejo que a tendência do mundo atual é exatamente o imediatismo, a super-valorização do presente, a felicidade imediata, na mesma velocidade em que recebemos informações e compartilhamos idéias. Assim como acontece com as crianças. ninguém quer o segundo marshmalow. Todos querem seu marshmalow agora!

Vejo crescer a tendência de jovens adultos (como eu) de largarem seus trabalhos "escravizantes" para fazerem o que gostam. Cada vez mais querendo viver o momento sem se preocupar com o futuro. Vários movimentos exaltam essa qualidade "revolucionária" da nossa geração. É o caso do movimento Continue Curioso (2). Nesse vídeo, p.ex., a entrevistada, "escrava do escritório" que largou tudo para ser fotógrafa diz, orgulhosa: "somos mais corajosos que nossos pais!".

Na verdade, não acho que tenha nada a ver com isso, vamos ser justos. O que acontece é que temos mais oportunidades que nossos pais (pelo menos no Brasil). Enquanto os nossos pais se matavam pra entender porque o feijão tinha um preço hoje e outro amanhã e tentavem criar 3 filhos aos 30, nós só pensamos em "largar tudo (tudo o quê, cara pálida?) e ser feliz". E além das conquistas econômicas (no Brasil), vivemos em uma geração que se beneficia de muitas conquistas vencidas mundialmente pelas gerações anteriores (igualdade entre gêneros, racismo, escravidão, guerras anunciadas, inflações desmedidas, ditaduras, etc). É claro que muitas dessas questões ainda existem e outras novas surgiram, derivadas destas. Mas nós estamos na "rebarba" dessas conquistas, de qualquer maneira, porque o mais difícil é sempre começar.

E como será que estará essa geracao daqui ha alguns anos?
Uma pesquisa da empresa Euromonitor International levantou as dez principais macrotendências no mercado consumidor em nível global nos próximos cinco anos. Entre as previsões está uma população mais velha e urbana, mais conectada em aparelhos móveis, mas com dificuldades econômicas (3). 
Serão felizes e... pobres. E, se a tendência é que a expectativa de vida da população cresça cada vez mais, serão muitos velhinhos pobres. Será esse o futuro desses cyber-new-hippies? Entraremos num loop? Porque sem estabilidade econômica é preciso se preocupar com dinheiro. Não é possível viajar, conhecer lugares novos ou se dar ao luxo de largar tudo e comprar aquela super câmera para viver o sonho de ser fotógrafa. Também não vão existir tantos clientes para comprar a sua arte.

Velhinhos felizes são essa geração da terceira idade atual, que, inclusive fizeram surgir o termo "melhor idade". Mas eles são sobreviventes de outra época, aquela época da inflação, ditadura, onde eles, por necessidade ou por que foi assim que aprenderam, pouparam, trabalharam muitas vezes naquilo que não gostavam. E aí estão hoje nos dando a esperancça de que poderemos ficar como eles, viajando e gastando, fazendo a festa das agências de viagens e sendo vangloriados no Globo Repórter. Mas nossos 30's estão sendo bem diferentes dos 30's deles.

Ninguém me ensinou a pescar ou a fazer uma limonada

Na verdade, o problema é mais que econômico. O que vejo é que temos uma oportunidade conquistada por gerações anteriores a duras penas, mas acho que não a estamos aproveitando bem. Vejo um "oba-oba", uma geração de jovens/adultos perdidos com tanta facilidade, tentando se encontrar eternamente, sem nunca conseguir. Jovens que querem recompensas enormes com pouco sacrifício, que conversam com você sem olhar nos olhos e acham que as relações são tão fáceis quanto desconectar o computador. Jovens que querem o sucesso imediato e não sabem lidar com frustações como um emprego não idealizado ou uma vida "não-perfeita". É muito bom poder ter essas oportunidades nas mãos e poder se concentrar na descoberta pessoal; mas acho que nossa geração não está sabendo usar dessa liberdade.

Acho também que estou ficando velha. ;)


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