segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Caso da APA da Reserva: Não fui eu, não sei quem fui


A área do campo de golfe. Praia da Reserva, Barra, RJ
Uma das polêmicas* no Rio de Janeiro nessas últimas semanas foi a mudança feita pelo recém-reeleito prefeito Eduardo Paes na legislação ambiental para abrigar um empreendimento de golfe para as Olimpíadas 2016. A cidade terá o primeiro campo olímpico de golfe, já que a modalidade está de volta às Olimpíadas após um intervalo de 112 anos. Segundo o Blog Verde, o prefeito Eduardo Paes enviou à Câmara mensagem (lei complementar 113/2012) que muda os parâmetros urbanísticos da área da Reserva para viabilizar o empreendimento. Desde 1993, o trecho é uma Zona de Preservação da Vida Silvestre (ZPVS) da APA Marapendi. Caso a lei seja aprovada, a área de 58 mil metros quadrados passa a ser uma Zona de Conservação da Vida Silvestre (ZCVS), cuja ocupação é mais flexível. O Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos 2016 já anunciou, inclusive, o escritório americano Hanse Golf Course Design, como o vencedor do concurso para a construção do campo de golfe. Além do campo de golfe, também está prevista a construção de um resort do grupo Hyatt na entrada da praia da Reserva, numa área de 45mil metros quadrados que também já perteceu à uma APA, que, por um projeto de lei "relâmpago" em 2005 foi retirada do terreno da área de preservação e dobrou a área edificável na região.

A notícia se espalhou rapidamente entre os cariocas, claro. Toda a área da Reserva da Barra é um local emblemático para os cariocas, fora o fato óbvio de ser área preservada. No facebook e no twitter, rolou movimento virtual de impeachment do prefeito, convocatória para manifestações e até uma notícia de que o prefeito faria o mesmo para viabilizar a construção de um resort na Prainha (boato já desmentido pela assessoria da prefeitura). No último sábado, mais de 300 pessoas se reuniram no Recreio para protestar e no sábado anterior, 400 pessoas fizeram o mesmo.

Manifestação do dia 24/11/12.
Manifestação do dia 17/11/12

Para o projeto do campo de golfe, o prefeito admite que a maior parte do terreno faz parte da APA, mas que está degradada e que o campo de golfe será público, o que seria uma compensação para a população. Ainda comenta que poderia ser uma oportunidade de popularizar o esporte por aqui e criar uma área de lazer para os executivos que visitam a cidade (hein?!). Quanto ao resort, ele lava as mãos, dizendo que nao foi ele que aprovou a mudança na legislação em 2005, fora do mandato dele (mas nao é isso que ele esta fazendo agora novamente?). Segundo o grupo Hyatt, 60% da área de 45 mil metros quadrados onde será construído o resort, hoje degradada, passará por processo de regeneração da vegetação nativa. Além disso o empreendimento custeará a construção de rede de esgoto com 1.300 metros, ligada ao emissário submarino da Barra.

Muitas perguntas

Ok, mas como será garantida a preservação da área? Que tipo de garantias podem ser dadas de que o campo de golfe será aberto ao público? E o acesso à praia da Reserva, com um enorme resort de luxo na frente, como fica? Daqui a alguns anos, vamos ouvir a mesma coisa: "mas não fui eu", "não tenho nada a ver com isso". Essa não é a primeira arbitrariedade em nome da viabilização dos eventos previstos na cidade e nem será a última. "Arrumar a casa" correndo, como sempre, vai gerar muita corrupção justificada pela pressa e pelas exigências do COI. E as consequências serão sentidas por quem fica e não por quem só vem para os Jogos.

E o certificado?

Outra questão é que, em se tratando de um escritório americano a projetar o campo de golfe, certamente será o Leed o processo de certificação escolhido (o COI, Comitê Olímpico Internacional, exige certificação ambiental para todos os empreendimentos das Olimpíadas). Então, mais uma vez é levantada a questão da tropicalização do selo/certificado. Como o Leed, que é um certificado americano, vai solucionar esse problema tão local quando possui critérios e parâmetros americanos, não adaptados à realidade brasileira? Infelizmente a escolha do selo está relacionada com os resultados finais a serem alçancados pelo empreendedor (o certificado, o selo) e não de acordo com o que é realmente melhor para a sociedade (que certificado, que selo, que critérios, que parâmetros), já que o uso do processo de certificação é voluntário (neste caso o COI exige) e é o empreendedor que escolhe qual usar. Desta forma, o poder público deveria interferir para forçar, ao menos, uma compensação ou processo de certificação mais exigente dentro desse contexto todo? "Ahn, espere: mas é o próprio poder público que está criando todo esse problema aprovando projetos de leis relampago, mudando a legislação ambiental...". Parece uma cilada, não é? De repente, é.



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* Sim, porque também tem o problema da divisão dos royalties que está parando a cidade.

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