quinta-feira, 10 de março de 2011

FIB - Felicidade Interna Bruta

Felicidade deve ser parâmetro de desenvolvimento sustentável?



É muito complicado mensurar o que é sustentável ou não, porque é uma análise extremamente complexa, que deve levar em consideração inúmeros indicadores, que variam de situação a situação. Minha professora sempre dizia: "cuidado com essa palavra!". É mesmo... não há uma regra, apesar das inúmeras tentativas de conceituação. Ser sustentável tem a ver com muita coisa e tem diversas interpretações variadas. Para mim, por exemplo, a sustentabilidade deve levar em consideração o bem-estar e felicidade do ser-humano - se ele é capaz de ser feliz na sua vida E também deixar que a próxima geração seja feliz num mundo "habitável" (não adianta só ser capaz de deixar um mundo maravilhoso para seus netos se você não é capaz de ser feliz no mundo em que vive atualmente).

Por isso, quando li este artigo no site Pagina 22, me identifiquei, pois sempre pensei que é impossível criar um mundo sustentável se todos estão ansiosos, preocupados, depressivos e infelizes com o futuro, com o fim do mundo, com o Planeta. Afinal, a sustentabilidade não é um fator para o planeta e sim, para o bem-estar do ser humano NO planeta. É um conceito criado pelo ser humano, para o ser humano. Então, considerando que o bem-estar do ser humano no mundo é a idéia de um mundo melhor, qual o papel da felicidade para esse mundo melhor?

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Luiz Fuganti, arquiteto, professor e escritor, criador de um movimento chamado Escola Nômade de Filosofia, diante do assunto "felicidade", levanta a história do polvo que se desenvolvia em água poluída e morreu logo após ser transferido para uma água de mar límpida. Que mensagem tem aí?

– Que buscar felicidade é coisa de gente muito humilde. Não tem nenhuma conquista nisso. Há uma diminuição da vida quando a gente imagina que ela só vive sob condições ideais. É como se a vida fosse incapaz de transformar “o fora” em “dentro”. É como se a gente desqualificasse a natureza, não entendesse o modo dinâmico como ela opera. Aquele ambiente poluído pode ser aproveitado e processado. Eu amo quem se envergonha quando a sorte cai a seu favor. Não importa o que acontece a ele, vira matéria de criação, vira fonte de produção – diz Fuganti. 
Essa é uma maneira de trocar em miúdos a concepção de niilismo ativo do filósofo Friedrich Nietzsche, baseada na ideia da transmutação. 
– Ou seja, em vez desejar mundos ideais de felicidade e sonhar, você cria valores porque mudou a natureza do seu desejo. Ele passa a ser autossustentável. Se o desejo não for autossustentável, você não terá sustentabilidade de nada. Dessa sustentabilidade, eu nunca ouço falar.

...Mas rir de tudo é desespero

"Viver alegre hoje é preciso / Conserva sempre teu sorriso / Mesmo que a vida esteja feia / Que vivas na pinimba / Passando a pirão de areia". A ironia do samba de Noel Rosa acima é lembrada por Ricardo Abramovay, professor titular do Departamento de Economia da FEA-USP, quando provocado pela pauta “felicidade”:

– O Brasil é obsessivamente feliz, é uma obrigação, não é uma decorrência. O problema disso é que uma vida que vale a pena ser vivida envolve um componente reflexivo. Não pode deixar de ter lugar para a não felicidade. A dor, a depressão, a tristeza, a perda. Isso faz parte. É aterrorizadora a ideia de uma sociedade que fosse apenas feliz.
Abramovay pergunta se a felicidade deve ser mesmo um parâmetro de desenvolvimento na grande discussão que toma corpo no Brasil e no mundo, em busca de uma régua melhor que a do Produto Interno Bruto (PIB). A felicidade e o bem-estar têm ganhado espaço como critérios a serem levados em conta para além do simples crescimento econômico no reinado absoluto do PIB.


Se não é feliz, não é sustentável

Não, esta não é uma frase de para-choques de caminhão. É o mote que a Gaia Education, rede de educadores voltada para o urbanismo sustentável, adotou para nortear suas ações. Talvez a felicidade seja o ingrediente que falta para fazer o tripé da sustentabilidade surtir efeitos reais para o bem-estar do homem, que é, afinal, a finalidade de ser "sustentável". A felicidade e a plenitude do indivíduo seriam os próximos passos nas discussões sobre sustentabilidade, até então muito centradas em escopos coletivos, como o social, o ambiental, o econômico?


Quem responde é Susan Andrews, antropóloga pela Universidade Harvard, fundadora do Instituto Visão Futuro e responsável por trazer ao Brasil o conceito de Felicidade Interna Bruta (FIB), desenvolvido na década de 70, no Butão, como um indicador a substituir o PIB:


– Eu não diria que a felicidade é o próximo passo na evolução das discussões sobre sustentabilidade. Diria, sim, que a sustentabilidade e a felicidade humana são dois dos principais temas na discussão sobre a evolução da vida na Terra. Como espécie, estamos nos tornando mais e mais infelizes, e essa nossa infelicidade está diretamente relacionada à da Mãe Terra – solos, água potável, clima, biodiversidade, oceanos, florestas, tudo isso está em crise.


A quantidade de pessoas com problemas psicológicos também tem aumentado, o que comprova a teoria. Existe um dado da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontando que entre 20% e 25% da população mundial teve, tem ou terá depressão, e o maior percentual está entre as mulheres.


Não tenho tudo que amo, mas amo tudo que tenho


A felicidade faz a gente questionar o que realmente importa, como diz o economista Eduardo Giannetti, em entrevista à desta edição de Página22.  De certa forma, alinha-se com o que é chamado em Economia de lei da utilidade marginal decrescente: quando se está com sede, o primeiro copo d’água tem uma utilidade e um valor enormes. O segundo, menos. E beber o terceiro talvez seja até um sacrifício.
Assim, a felicidade pode aumentar à razão direta do crescimento econômico. Mas depois de certo ponto – estudos mostram que a partir de US$ 10 mil anuais per capita – maior prosperidade não garante mais bem-estar subjetivo. Isso é tiro certeiro no coração da lógica capitalista e talvez explique como a publicidade se aperfeiçoou na arte de persuadir as pessoas a desejarem ardentemente aquilo que para elas não faz a menor falta. O custo da fantasia inebriante do consumo é que chegamos a 70% das famílias endividadas, sobretudo as de menor renda, segundo o IBGE.

Na edição de janeiro/fevereiro da revista Adbusters, um artigo intitulado “Qual o problema de ser o número 2?” mostra o Japão como o primeiro país que pode optar pela chamada economia steady-state, que prevê prosperidade sem crescimento. E longe dali, na Escócia, a ecovila de Findhorn vem provar que os limites ao crescimento e ao consumo não necessariamente são dolorosos. Findhorn é uma espécie de laboratório do mundo sustentável que funciona há 50 anos. Lá, consome-se metade dos recursos e se gera metade dos resíduos em relação à média da Grã-Bretanha. Pelos indicadores tradicionais, a vila está abaixo da linha da pobreza, o que não condiz com a realidade.



Devagar se vai ao longe, mas demora um tempão

Essa clara exaustão do modelo ocidental de desenvolvimento, amparado nos ideais do Iluminismo, teria dado abertura para uma concepção oriental – de maior conformidade do homem com os limites da natureza, em vez de buscar dominá-la, transformá-la e extrair o máximo dela no menor tempo possível.


Amós Nascimento, professor da Universidade de Washington, em Seattle, especula que isso talvez explique a disseminação de idéias como o FIB, favorecida também pela globalização e pela aproximação comercial entre Ocidente e Oriente, ainda que a China esteja crescentemente aderindo ao modelo de vida norte-americano.

Abramovay, da FEA, acrescenta que esse tipo humano mais-é-sempre-melhor, derivado do Iluminismo, não fez parte da pólis grega, nem da Idade Média, nem do monastério beneditino, nem das sociedades tribais. É, sim, resultado da fase da humanidade em que a célula básica passou a ser o indivíduo.

Isso surge no Renascimento e passa a ser teorizado na Filosofia pelo utilitarista Thomas Hobbes, a partir do seguinte pensamento: Vou viver em sociedade porque pra mim é melhor. E sociedade não passa de um conjunto de átomos que se relacionam de maneira efêmera em um ambiente que é o mercado. Qual é a força desses átomos? O desejo de adquirir. Assim, relaciono-me com os outros a partir desse desejo.

Desta forma, a discussão da felicidade sob esse prisma da coletividade torna-se mais interessante. Em um mundo cada vez mais "individual", os bens relacionais ficam cada vez mais raros e desinteressantes, dando espaço cada vez mais crescente aos bens posicionais – que te dão prazer por se sentir em posição superior ao outro. Estes são efêmeros e levam a uma corrida competitiva, ao consumismo, à ansiedade, à depressão.

Talvez a economia da partilha, com toda essa cultura contemporânea de internet e globalização, seja um começo de desaparecimento desse conceito de felicidade pela hierarquia social.

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Aproveitando o tema sobre esse paradoxo da felicidade, veja a palestra "Malcolm Gladweall on spagethi sauce", no TED (youtube):



Ou, no site TED: Malcolm Gladwell on spaghetti sauce | Video on TED.com (com opção de legenda em português) - vale a pena.




Vamos ser felizes por um mundo mais sustentável!


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Da Página 22, edição 50:

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